O fogo, elemento primordial em diversos ecossistemas tropicais, exerce dupla função: pode tanto renovar quanto destruir. Para muitas populações indígenas, o manejo controlado do fogo é uma prática ancestral, fundamentada em observações precisas dos ciclos naturais e em rituais que reforçam a conexão espiritual com a terra.
A seguir, exploraremos como as práticas tradicionais de queima controlada — longe do fogo criminoso que devasta florestas — colaboram para a saúde dos biomas, prevenindo grandes incêndios, estimulando a regeneração vegetal e ampliando a biodiversidade.
Histórico do Uso do Fogo pelos Povos Indígenas
Registros arqueológicos e relatos etnográficos indicam que o fogo foi incorporado ao manejo do território há milênios.
Para povos do Xingu, por exemplo, a queima controlada demarca trilhas, limpa áreas de caça e prepara o solo para cultivos de ciclo curto, sempre respeitando períodos secos e chuvosos.
Esses saberes são transmitidos de geração em geração, garantindo a sobrevivência da comunidade e a manutenção do equilíbrio ambiental.
Princípios do Manejo Tradicional
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Queima em mosaico: ao invés de grandes frentes de fogo, realiza-se pequenas manchas queimadas em dias específicos, reduzindo o acúmulo de biomassa.
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Calendário cultural: cada etnia segue um calendário próprio, definido pela observação do tempo, fases da lua e comportamentos da fauna.
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Rituais de respeito: antes e após a queima, ocorrem cerimônias de agradecimento aos elementos, demonstrando reverência e fortalecendo o senso coletivo de responsabilidade.
Benefícios Ecológicos do Manejo Sustentável do Fogo
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Prevenção de incêndios de larga escala: a queima controlada elimina excesso de material combustível.
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Ciclo de nutrientes: a queima devolve minerais ao solo, favorecendo brotações vigorosas.
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Aumento da biodiversidade: áreas recém-queimadas atraem insetos e pequenas espécies, diversificando a cadeia alimentar e fortalecendo a resiliência do ecossistema.
Técnicas e Ferramentas Utilizadas
Comunidades indígenas usam faixas de contenção naturais (rios, clareiras) e artificiais (trincheiras rasas). Na abertura do fogo, recorrem a tochas artesanais e faíscas geradas com pedras.
O monitoramento é feito coletivamente, com observação de ventos, umidade e presença de certos pássaros, que sinalizam condições seguras ou de risco.
Exemplos Práticos
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Xingu (MT): o Parque Indígena do Xingu adota há décadas focos planejados, coordenados pelas aldeias Kaiabi e Yudja, mantendo a floresta sob controle e reduzindo incêndios criminológicos.
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Pantanal e Cerrado: parcerias entre ONGs, universidades e comunidades Kalunga promovem rodas de saberes para ampliar o manejo tradicional e formar brigadas locais de prevenção.
Desafios e Perspectivas de Escala
A falta de reconhecimento legal dos saberes tradicionais e a lógica do agronegócio criam barreiras para a expansão dessas práticas. Conflitos por terra e mudanças climáticas intensificam os riscos.
Fortalecer lideranças indígenas, promover educação ambiental nas cidades e inserir o manejo tradicional nas políticas estaduais são passos fundamentais para escalar o método.
Integração com Políticas Públicas e Pesquisa Científica
Aprovada em alguns estados, a Lei do Manejo do Fogo reconhece a queima controlada como ferramenta de conservação.
Projetos colaborativos, como o “Fogo e Saberes Tradicionais” nas universidades federais, avaliam indicadores de sucesso (redução de área queimada, retorno de espécies) e definem protocolos para replicação em outras regiões.
As práticas indígenas de manejo sustentável do fogo demonstram que a solução para grandes incêndios não está na supressão total, mas no uso consciente e ritualizado do elemento.
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