O Protagonismo das Mulheres Indígenas na Luta pela Terra

O Protagonismo das Mulheres Indígenas na Luta pela Terra

No Dia dos Povos Indígenas, celebrado em 19 de abril, queremos destacar o protagonismo das mulheres indígenas. São elas que, com sabedoria ancestral, sustentam a vida nas aldeias, protegem os territórios, mantêm viva a cultura e enfrentam de frente desafios globais como a crise climática.

A seguir, vamos mostrar por que as mulheres indígenas são fundamentais para a preservação da floresta, a soberania alimentar e a resistência cultural. 

 

O papel das mulheres na subsistência das aldeias

 

Nas aldeias indígenas, o sustento da comunidade vai muito além do alimento no prato. Ele envolve relações de afeto, cooperação, ancestralidade e respeito à natureza. E quem carrega esse papel com firmeza e delicadeza são, majoritariamente, as mulheres.

Elas são as responsáveis por plantar, colher, cozinhar e cuidar – não só da alimentação, mas também da educação dos filhos, da saúde da família, do território e das tradições. Esse conjunto de responsabilidades é o que chamamos de economia do cuidado, uma dimensão invisível nas estatísticas, mas essencial para a sobrevivência de qualquer povo.

Em diversas comunidades, são as mulheres que mantêm vivos os sistemas agrícolas tradicionais, como os roçados, hortas medicinais e quintais agroflorestais. Seus conhecimentos sobre o tempo da terra, os ciclos da lua e o comportamento das plantas orientam o cultivo de maneira sustentável, sem agredir o meio ambiente.

Esse saber é passado de geração em geração, na oralidade, nos gestos, no cotidiano. Enquanto ensinam suas filhas a preparar a mandioca, a ferver ervas ou a trançar um cesto, essas mulheres estão preservando não só uma cultura, mas uma forma de vida que resiste há séculos à tentativa de apagamento.

Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), o protagonismo das mulheres na segurança alimentar indígena é reconhecido inclusive por instituições internacionais, como a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), que destaca o papel fundamental das mulheres rurais e indígenas na erradicação da fome.

Portanto, defender os direitos das mulheres indígenas é garantir o alimento, a saúde e a dignidade de comunidades inteiras. É reconhecer que, sem elas, não existe floresta em pé, nem cultura viva.

 

Guardiãs das sementes e da biodiversidade

 

Quando falamos em preservação ambiental, muitas vezes pensamos em satélites, políticas públicas ou grandes ONGs. Mas, silenciosamente, quem garante a diversidade genética dos alimentos, a fertilidade da terra e a continuidade das espécies são as mulheres indígenas, guardiãs das sementes.

Essas mulheres carregam um saber milenar: elas conhecem o ciclo de cada planta, sabem o momento certo de colher, guardar e replantar. São responsáveis por conservar as sementes crioulas, aquelas que não são modificadas geneticamente e que mantêm a riqueza natural dos alimentos. Diferente das sementes industrializadas, elas são adaptadas ao solo, ao clima e à cultura de cada povo.

Em muitos povos, como os Baniwa, os Xukuru e os Guarani Kaiowá, as mulheres criam verdadeiros bancos de sementes comunitários, onde preservam variedades de milho, mandioca, feijão, frutas nativas, ervas medicinais e plantas tintoriais. Esses bancos são espaços de resistência, espiritualidade e autonomia alimentar.

Além disso, há um simbolismo profundo no cuidado com a semente: ela representa a continuidade da vida. Plantar uma semente é um gesto de fé no amanhã, um ato de resistência diante da destruição dos territórios e da ameaça da monocultura. Como dizem muitas lideranças indígenas: “quem controla as sementes, controla o futuro”.

A sabedoria das mulheres indígenas também está ligada à forma como cultivam. Elas respeitam os ciclos naturais, praticam a agricultura de coivara (rotação de áreas para permitir a regeneração da terra) e evitam o uso de agrotóxicos ou práticas que empobrecem o solo. Assim, garantem a sustentabilidade ecológica e a saúde alimentar.

Preservar esse saber é crucial para enfrentar desafios como a crise climática e a insegurança alimentar global. E isso só será possível se ouvirmos, valorizarmos e protegermos as mulheres que, com suas mãos, cuidam da biodiversidade do planeta.

 

Protagonistas na defesa dos territórios e da floresta

 

As florestas que ainda resistem em pé no Brasil e no mundo têm, em muitos casos, o olhar atento e a coragem das mulheres indígenas como principal linha de defesa. Elas não apenas vivem da terra – elas vivem com a terra. E é justamente por essa relação profunda que se tornam guardiãs não só do território físico, mas também do território simbólico, espiritual e cultural de seus povos.

Em tempos de avanço do desmatamento, garimpo ilegal, queimadas e ameaças à demarcação de terras, as mulheres indígenas têm se organizado em movimentos próprios para proteger o que é sagrado: a vida em todas as suas formas. Elas enfrentam não só as ameaças ambientais, mas também o machismo estrutural e o racismo, dentro e fora de suas comunidades.

A Marcha das Mulheres Indígenas, que reuniu milhares de mulheres de diversos biomas em Brasília, é um símbolo dessa força. Com os pés na terra, pinturas nos rostos e cantos ancestrais, elas marcham dizendo: “Território: nosso corpo, nosso espírito”. A mensagem é clara – quando a terra é violada, os corpos também são.

Essa conexão entre corpo e território é uma base fundamental da cosmovisão indígena. Defender a floresta é também defender o direito à existência, à saúde, à cultura e à autonomia.

Hoje, muitas dessas mulheres ocupam espaços de liderança política, jurídico, educacional e espiritual. Elas se tornam porta-vozes de suas comunidades em assembleias, universidades e fóruns internacionais. Estão presentes em debates de políticas públicas, exigindo a demarcação de terras, o respeito aos direitos originários e o fim da violência contra os povos indígenas.

É urgente reconhecer que essas mulheres são protagonistas de uma luta global por justiça socioambiental. Não são vítimas passivas, mas lideranças ativas, que usam sua sabedoria ancestral e sua voz para defender o que é de todos nós: as florestas, as águas e o futuro.

 

Mulheres indígenas na luta contra a crise climática

 

A crise climática é um dos maiores desafios do nosso tempo — e as mulheres indígenas estão entre as que mais sentem seus efeitos e, ao mesmo tempo, entre as que mais contribuem para enfrentá-la. Elas não apenas sofrem com as consequências do desequilíbrio ambiental — elas atuam diretamente para freá-lo.

Enquanto o mundo busca soluções tecnológicas para reduzir emissões de carbono, povos indígenas seguem protegendo, com seus modos de vida, as florestas que naturalmente regulam o clima global. Segundo dados do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), os territórios indígenas são as áreas que mais preservam a cobertura florestal e têm os menores índices de desmatamento da Amazônia Legal.

E quem sustenta essa relação equilibrada com a terra, dia após dia, são as mulheres.

Elas cuidam das nascentes, protegem as sementes, ensinam as crianças a respeitar os ciclos da natureza e mantêm práticas agrícolas regenerativas. Essa atuação cotidiana, invisível para muitos, é uma das formas mais eficazes de combater o aquecimento global com justiça climática e de gênero.

Lideranças como Txai Suruí, do povo Paiter Suruí, têm levado essa voz para o mundo. Ao discursar na abertura da COP26, ela afirmou:

“Nós temos ideias para adiar o fim do mundo. Vamos juntos salvá-lo?”

Outros nomes como Sônia Guajajara, hoje Ministra dos Povos Indígenas, e Célia Xakriabá, deputada federal, também vêm traduzindo em ações políticas o que as mulheres já fazem há séculos: defender o planeta com base em uma visão interdependente entre ser humano, território e espiritualidade.

Para as mulheres indígenas, cuidar da floresta não é uma escolha — é um dever ancestral. E reconhecer seu papel na luta climática não é uma questão de caridade, mas de inteligência coletiva e compromisso com o futuro.

Cultura viva: arte e artesanato como forma de resistência

 

Nas mãos das mulheres indígenas, arte é mais do que expressão. É resistência, memória e conexão espiritual.

Cada cesto trançado, cada colar de sementes, cada pintura corporal ou cerâmica carrega séculos de história, de ensinamentos passados por mães, avós e ancestrais.

O artesanato produzido por essas mulheres é uma forma de preservar saberes e modos de vida que estão ameaçados pelo avanço da monocultura, da urbanização e da exploração desenfreada dos recursos naturais. Mas é também uma forma de gerar renda, autonomia e fortalecer as economias locais dentro das aldeias — tudo isso com respeito ao meio ambiente.

As matérias-primas vêm da floresta: sementes, cipós, argila, fibras, pigmentos naturais. Mas nada é retirado de forma predatória. Existe um cuidado ancestral com o território, onde cada colheita é feita no tempo certo, de forma equilibrada, com gratidão e sem desperdício. Isso é sustentabilidade na prática.

Além do valor econômico, o artesanato carrega uma mensagem simbólica. Ao produzir uma biojoia ou um tecido com grafismos tradicionais, uma mulher indígena está afirmando sua identidade, reafirmando sua cultura e ocupando espaço em um mercado que muitas vezes invisibiliza essas vozes.

É importante lembrar: o que para o mundo pode parecer uma peça decorativa, para o povo indígena é um elo com o sagrado, com a terra e com sua ancestralidade.

 

O que você pode fazer para apoiar as mulheres indígenas

Diante da potência e da urgência da luta das mulheres indígenas, fica uma pergunta inevitável: e nós, o que podemos fazer? A boa notícia é que há muitos caminhos possíveis — e todos eles começam com respeito, escuta e ação consciente.

1. Valorizar o artesanato indígena

Consumir diretamente de povos indígenas, por meio de plataformas como a Maniò, é uma forma concreta de apoiar essas mulheres. Você contribui para a geração de renda nas aldeias, fortalece a autonomia feminina e ajuda a manter práticas sustentáveis de produção.

2. Dar visibilidade às vozes indígenas

Compartilhe conteúdos, vídeos, artigos e entrevistas de lideranças como Txai Suruí, Sônia Guajajara, Eliane Potiguara, Célia Xakriabá, entre tantas outras. Amplificar suas vozes é um ato de solidariedade e conscientização.

3. Apoiar políticas públicas de proteção

Pressionar por demarcação de terras, contra o marco temporal e por leis que protejam os direitos dos povos originários é dever de toda a sociedade. A floresta só continua em pé porque os povos indígenas a defendem — e eles precisam de respaldo legal e político para isso.

4. Refletir sobre seus hábitos de consumo

A maneira como consumimos impacta diretamente os territórios indígenas. Produtos industrializados, fast fashion, alimentos ultraprocessados e grandes cadeias de mineração e pecuária muitas vezes estão ligados ao desmatamento. Escolher marcas conscientes é parte da solução.

5. Educar e educar-se

Leve esse tema para conversas com amigos, familiares e em espaços de educação. Falar sobre a força das mulheres indígenas é também combater o apagamento histórico de seus saberes e lutas.

A luta delas não é isolada — é uma luta por todas as formas de vida, pelo equilíbrio do planeta, pelo futuro de cada um de nós.


Quando uma mulher indígena resiste, a Terra respira

 

As mulheres indígenas não precisam que falemos por elas — elas já falam, gritam, cantam e denunciam há muito tempo. O que elas precisam é que as escutemos, que respeitemos e que ajamos ao lado delas.

Elas são o pulso da floresta. São quem semeia o alimento, cura com ervas, sustenta a aldeia, borda a memória e enfrenta o sistema de frente, mesmo quando o mundo vira as costas. Enquanto o planeta busca saídas para a crise climática, elas seguem oferecendo caminhos que nascem da terra, da coletividade, do equilíbrio.

Cada semente que uma mulher indígena planta é um ato de resistência.
Cada colar que ela cria, um traço de identidade.
Cada fala em defesa do território, uma chance de futuro.

Neste Dia dos Povos Indígenas, que o protagonismo feminino seja reconhecido não como exceção, mas como essência da luta indígena. Que possamos ser aliados — e não espectadores — na construção de um mundo mais justo, diverso e vivo.

Na Maniò, não vendemos apenas arte: honramos histórias, vidas e saberes que o tempo insiste em apagar, mas que a força das mulheres indígenas faz questão de manter acesos.

Defender essas mulheres é defender a floresta.
Defender a floresta é defender a vida.
E a vida não espera.


 

Voltar para o blog

Deixe um comentário

Os comentários precisam ser aprovados antes da publicação.